REDUÇÃO DA IDADE PENAL TRANSGRIDE DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE




Ao contrário da justificativa presente na PEC nº. 57/2011, de que o adolescente em conflito com a lei permanece impune ao cometer atos infracionais, o ECA garante que os adolescentes sejam responsabilizados

As discussões acerca da redução da maioridade penal estão sendo retomadas mediante a apresentação da proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº. 57/2011, de autoria do deputado federal sergipano André Moura (PSC), sujeita à apreciação do plenário no Congresso Federal, e que estabelece que “os maiores de 16 (dezesseis) anos de idade são penalmente imputáveis”.
A PEC visa alterar o artigo 228 da Constituição Federal que coloca como inimputáveis os menores de 18 anos, o que implicará no ingresso dos mesmos diretamente no sistema prisional, desconsiderando o adolescente enquanto sujeito em condição peculiar de desenvolvimento e modificando uma das legislações mais avançadas na garantia dos direitos infanto-juvenis do mundo, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Com 180 assinaturas e outras 70 a confirmar dentro do congresso, a tramitação deste documento traz à tona concepções distintas acerca da responsabilização de adolescentes brasileiros pelos atos infracionais cometidos. A justificativa do deputado defensor da proposta de redução da maioridade penal, André Moura, baseia-se no argumento de que “não mais se acredita que menores de 16 ou 17 anos não tenham condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos cotidianos”.

No entanto, organizações que atuam em defesa dos direitos de crianças e adolescentes em todo o Brasil entendem que até os dezoito anos o adolescente é um cidadão em desenvolvimento e, portanto, não possui o discernimento necessário para compreender a ilicitude de seus atos. Diante disso, além de não possuir nenhum embasamento mais aprofundado, a proposta de redução da maioridade penal vai de encontro a uma série de estudos psicológicos que apontam que os indivíduos na adolescência passam por diversas transformações psicossomáticas, repercutindo não somente em sua estrutura biológica, mas em sua conduta social. O adolescente contesta os valores e regras aos quais foi submetido por toda a sua infância, sendo que somente por volta de seus 19 anos passa a compreender inteiramente o seu comportamento e seus atos, ingressando na vida adulta.

Na maioria das vezes essas justificativas são interpretadas de maneira equivocada, gerando um entendimento errado de que o tratamento dado a adolescentes em conflito com a lei tenta isentá-los de suas responsabilidades. A própria legislação estabelece que pessoas com menos de 18 anos são totalmente inimputáveis, porém, a sociedade ainda confunde a imputabilidade, capacidade de responder penalmente por crimes e ser submetido às sansões previstas pelo conjunto de leis que vigoram no país, com impunidade.  

Dessa forma, ao contrário da justificativa presente na PEC de que o adolescente em conflito com a lei permanece impune ao cometer atos infracionais, o ECA garante que eles sejam responsabilizados, mas levando em consideração, sobretudo, o caráter de ressocialização do atendimento socioeducativo. As medidas socioeducativas (MSE) destinadas aos adolescentes em conflito com a lei são consideradas um avanço em relação às antigas leis punitivas. Contudo, a prática tem mostrado que a sua aplicabilidade ainda é um problema a ser resolvido tendo em vista que elas não são cumpridas de forma eficiente no país, levando meninas e meninos à internação em espaços que não possibilitam sua integração e ressocialização plena.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Fórum Nacional de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), órgãos que ajudam a regular e fiscalizar a política voltada para esta parcela da população, manifestam-se contra a diminuição da maioridade penal ou o aumento do prazo de internação dos adolescentes em conflito com a lei. O principal argumento das duas entidades para se opor à alteração é que não se deve mudar uma lei que não teve seus dispositivos efetivamente implementados desde a sua criação, em 1990.

Para os setores da sociedade ligados à garantia de Direitos Humanos a proposta vai de encontro a tudo que é preconizado pelo ECA, instrumento legal de proteção de crianças e adolescentes como prioridade absoluta. Qualquer fundamentação apresentada não justificará a redução da maioridade penal pois tal medida levará adolescentes às prisões, colocando este jovem em contato mais cedo com práticas de atos infracionais ainda mais graves do que os cometidos por ele, fortalecendo assim os ciclos de violência já estabelecidos em nossa sociedade.


Reduzir a idade penal vai acabar com a violência?
Outro argumento apresentado pelos grupos que defendem a redução da idade penal é de que os adolescentes são os principais fomentadores da criminalidade. No entanto, estudos e pesquisas comprovam, reiteradamente, que os adolescentes não são os principais fomentadores da criminalidade e sim as grandes vítimas da violência. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência (IHA), de cada mil jovens de 12 anos, dois serão assassinados antes dos 19. Representando 15% da população brasileira, os jovens são responsáveis por apenas cerca de 10% dos delitos cometidos, segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp).

O dado da Senasp é comprovado pelo Instituto Latino-americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente (Ilanud). A organização também aponta que cerca de 10% do total de crimes são cometidos por jovens com menos de 18 anos, enquanto mais de 40% das vítimas de assassinatos são adolescentes. A mesma pesquisa mostra que 87% dos crimes cometidos por jovens são contra o patrimônio, como roubo e furto, e não contra a vida.

Reduzir a maioridade penal como solução para a redução da violência não combate as causas do fenômeno e abre uma brecha para que o poder público se isente de sua responsabilidade em implementar políticas públicas que realmente combatam a criminalidade através da prevenção da violência, de projetos direcionados à população infanto-juvenil, combate às desigualdades sociais, ofertando com qualidade os serviços públicos básicos.


As medidas socioeducativas
Medida Socioeducativa é a forma do Estado responsabilizar menores de 18 anos pelo ato infracional que cometeu. A medida objetiva inibir a reincidência, devendo respeitar a capacidade do adolescente em cumpri-las, as circunstâncias em que o ato infracional foi praticado e a gravidade da infração, pois cada adolescente traz consigo sua história e trajetória.

O atendimento socioeducativo deve assegurar aos adolescentes, mesmo àqueles em privação de liberdade, todos os direitos fundamentais, como educação, esporte, lazer e convivência familiar e comunitária. O marco histórico que representou a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, deve-se em grande parte à mudança que a nova lei representou para o tratamento destinado aos adolescentes em conflito com a lei.

Antes disso, o atendimento aos jovens que cometiam atos infracionais era balizado pelo Código de Menores (Lei nº 6.697/1979), uma lei que considerava a infância e a adolescência em “situação irregular”. Em outras palavras, à parcela da população infanto-juvenil que cometia atos infracionais de qualquer natureza eram dispensadas ações repressivas e punitivas.

Com o Estatuto, o atendimento passou a ter caráter educativo, mais adequado à condição peculiar de desenvolvimento em que se encontram os adolescentes. O ECA definiu como categorias de medidas socioeducativas a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade e a internação em estabelecimento educacional.

O que é o SINASE
O SINASE é fruto de uma construção coletiva que envolveu representantes do Governo Federal, entidades e especialistas na área. Este sistema prioriza medidas em meio aberto, como prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida, em detrimento às medidas restritivas de liberdade, que são a aplicação de semiliberdade à criança ou adolescente em conflito com a lei e internação integral em estabelecimento educacional.

A intenção é criar estratégias que busquem reverter a tendência crescente de internação, assim como combater a sua eficácia invertida, pois se tem constatado que a elevação do rigor das medidas tradicionais não apresentam melhoras concretas para a inclusão social dos egressos do sistema socioeducativo.

Portanto, o sistema é favorável à municipalização dos programas de meio aberto, por meio da articulação de políticas locais, e à constituição de redes de apoio nas comunidades. Promove também a regionalização dos programas de privação de liberdade a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária dos jovens internos, incluindo as especificidades culturais.


(Fonte: Instituto Recriando e Ilanud – Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção e Tratamento do Delinqüente - 12/08/2011)


  • Em Açailândia do Maranhão, não temos efetivamente o SINASE em funcionamento. O CREAS/Centro de Referência Especializado de Assistência Social, serviço do SUAS/Sistema Único de Assistência Social, é o órgão que atende adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto (liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade), determinadas pela Justiça. Atendimento  de adolescentes em  medidas socioeducativas de semi-liberdade e internação ficam por conta da FUNAC/Fundação de Assistência à Criança e ao Adolescente, do governo estadual, em unidades de Imperatriz e na ilha-capital.



0 comentários

Links Institucionais