Audiência Pública em São Luís sobre 'Meninos do Trem' transportados clandestinamente pela Vale
Foi realizada na manhã de sexta-feira 13 de abril, na Assembléia Legislativa do Maranhão, uma audiência pública que discutiu o transporte clandestino de crianças e jovens nos trens da Vale na Ferrovia Carajás. A audiência foi uma iniciativa da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e das Minorias atendendo a uma solicitação da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís.
A sessão foi aberta pelo deputado Bira do Pindaré, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos e das Minorias, que destacou a importância da parceria entre Legislativo e Ministério Público, transferindo a presidência dos trabalhos ao promotor de Justiça Márcio Thadeu Silva Marques, titular da 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de São Luís.
A deputada Eliziane Gama, autora do pedido de realização da audiência, ressaltou a importância do momento na busca da garantia dos direitos humanos de crianças e adolescentes. Segundo ela, a questão dos embarques nos trens vem sendo discutida na Comissão de Direitos Humanos e é necessária uma ação enérgica da Vale em coibir o acesso de menores aos trens, além de uma junção de forças para acabar com os problemas sociais que levam esses jovens a buscarem sair de suas comunidades. Também esteve presente a deputada Vianey Bringel, integrante da Comissão de Direitos Humanos.
Representando a procuradora-geral de Justiça, Maria de Fátima Rodrigues Travassos Cordeiro, o diretor da Secretaria para Assuntos Institucionais da PGJ, Marco Aurélio Ramos Fonseca, ressaltou a disposição do Ministério Público dialogar em busca de resolução da questão e o apoio que tem sido dado aos promotores de atuam na região da ferrovia. De acordo com o promotor de Justiça, a função de defender a sociedade tem sido desenvolvida pelo Ministério Público do Maranhão por meio de seus promotores de Justiça.
Para a secretária de Estado de Direitos Humanos e Cidadania, Luiza Oliveira, a questão do embarque de jovens nos trens é uma problemática social ligada a várias esferas. A secretária afirmou que a Vale tem grande responsabilidade mas que o Poder Público e a sociedade civil também têm papel importante na prevenção do problema. De acordo com a secretária, a situação é grave onde crianças estão sofrendo por conta da falta de efetividade do sistema de garantias de seus direitos.
Em sua fala, o promotor Márcio Thadeu Silva Marques falou sobre o encaminhamento da audiência pública, ressaltando que as informações colhidas seriam parte de um procedimento administrativo que vem sendo desenvolvido pela 1ª Promotoria de Justiça da Infância e Juventude. O promotor fez, ainda, um histórico do problema, que vem sendo acompanhado pelo Ministério Público desde 2005, período no qual foram feitas diversas propostas de conciliação, não aceitas pela Vale.
Em seguida, a promotora Fabíola Fernandes Faheína Ferreira, titular da 2ª Promotoria de Justiça de Santa Luzia, falou sobre uma Ação Civil Pública movida contra a Vale por conta do embarque ilegal de jovens nos trens. Atualmente, há uma liminar determinando multa à Vale por cada jovem encontrado irregularmente nos trens que param no município de Alto Alegre do Pindaré (Termo da Comarca de Santa Luzia).
A promotora ressaltou, ainda, que é preciso verificar em que ponto o sistema de proteção está falhando, pois as ações tomadas pela Vale, Ministério Público, Conselhos Tutelares e outras entidades não estão sendo suficientes para acabar com o problema. "Nossa obrigação não é processar, é proteger as crianças e adolescentes", ressaltou.
Já o defensor público da União Yuri Michael Pereira Costa ressaltou que na audiência não se estava tratando de uma obrigação indireta da Vale, mas sim de obrigações legais e contratuais enquanto detentora de uma concessão pública. O defensor levantou a tese de que qualquer empresa com fins lucrativos tem o dever de estabelecer políticas que minimizem os danos causados à sociedade por suas atividades. Yuri Costa afirmou, ainda, que não pode ser aceito o argumento de que a empresa tem limitações orçamentárias para protelar a solução do problema. "Não pode haver um cheque em branco para o desenvolvimento de tecnologias que geram lucro e não haver investimentos em tecnologias que tragam segurança para a comunidade", enfatizou.
A defensora pública do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente, Ana Flávia Melo e Vidigal Sampaio, ressaltou o papel da Defensoria Pública do Estado em identificar e buscar a reparação necessária às famílias afetadas pelo problema. Para ela, a responsabilidade da Vale é indiscutível e lembou a campanha publicitária da empresa, que afirma que o que é importante para o Maranhão é importante para a Vale. "O importante para a sociedade maranhense é ser respeitada e vencer as amarras da pobreza", completou.
Representando a Defensoria Pública do Estado do Pará, o defensor Márcio Neiva Coelho, que atua no município de Marabá, ressaltou os riscos que as crianças e adolescentes sofrem embarcando ilegalmente nos trens, muitas vezes nos vagões destinados ao transporte de minério de ferro. Ele reconheceu as questões sociais envolvidas mas ressaltou que essas não poderiam ser resolvidas naquele momento, devendo o foco ser dado às medidas a serem tomadas para evitar o acesso à estrada de ferro. Márcio Coelho ressaltou, ainda, que é preciso evitar o embarque ilegal e não trabalhar apenas no recambiamento dos jovens aos seus municípios de origem, que é uma medida apenas para remediar o problema.
O Ministério Público Federal foi representado na audiência pública pela assistente social Nissa Mayara Furtado. Ela deu informações sobre um inquérito civil que está sendo feito pelo MPF cujo motivador foram os casos de atropelamento na via férrea. A esse ponto foram somados e estão sendo verificados também os casos de embarque ilegal nos trens e de exploração sexual de crianças e adolescentes às margens da ferrovia.
Carlos Sérgio Sousa Araújo, presidente da Associação de Conselheiros e ex-Conselheiros Tutelares do Maranhão, ressaltou a necessidade de uma atuação conjunta entre os estados do Maranhão e Pará, pois a questão é um problema regional. Ele trouxe, ainda, uma denúncia de que crianças estão desaparecendo na área da ferrovia, informação confirmada pelo conselheiro tutelar Luziano de Matos Campos, da região Itaqui-Bacanga.
Já a conselheira Elizângela Silva, de Açailândia, afirmou que o conselho tem se negado a receber e recambiar os jovens por entender que a responsabilidade e os custos desse processo não podem ser de responsabilidade do Município e sim da empresa. Em Buriticupu, um problema apontado pela conselheira tutelar Luzanira Veras de Melo é a falta de uma casa de abrigo no município. Além disso, há diversas denúncias de exploração sexual e tráfico de drogas na estação do povoado de Nova Vida, onde fica a estação onde param os trens.
A gerente de Relações com a Comunidade da Vale, Elis Ramos, apresentou os procedimentos adotados pela empresa buscando solucionar o problema. Segundo ela, há mais de 400 profissionais de segurança trabalhando ao longo da ferrovia, inclusive realizando vistorias nos vagões e locomotivas. Ainda de acordo com a gerente, são realizados investimentos de R$ 10,9 milhões anuais em segurança, além de repasses aos Fundos da Infância e Adolescência nos municípios de abrangência da Ferrovia Carajás. Entre 2005 e 2011 esses repasses foram de R$ 9,5 milhões, segundo a Vale.
O Pe. Dario Bossi, da campanha Justiça nos Trilhos lembrou que os repasses feitos aos Fundos da Infância e Adolescência são resultado de dedução em impostos e seriam, de qualquer maneira, destinados à coletividade. Ele apresentou, ainda, um vídeo no qual adolescentes contam que foram espancados e ameaçados de morte por seguranças da Vale ao serem pegos como clandestinos em um dos trens da empresa. Para o padre, é "absurdo que não se tenha chagado ainda a uma solução quando são feitos investimentos milionários até mesmo em mecanismos para monitorar a temperatura dos trilhos da ferrovia".
O padre propôs que seja realizada uma outra audiência pública para discutir a questão, em Marabá. Outra proposta feita por ele foi que os resultados da audiência fossem encaminhados à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sugerindo que o licenciamento ambiental para a duplicação da Ferrovia Carajás só seja autorizado após a solução do problema dos embarques irregulares.
TAC - Após as falas dos inscritos, foi aberta uma rodada de perguntas e o promotor Márcio Thadeu Silva Marques entregou ao gerente de Relações Institucionais da Vale, Dogival Pereira, uma minuta de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que dá à empresa um prazo de 90 dias para ela elabore e encaminhe um plano de segurança para a ferrovia. O termo prevê, ainda, que a Vale custeie a contratação de dois peritos indicados pelo Ministério Público, que irão avaliar e elaborar um parecer técnico sobre o plano proposto pela empresa.
A partir desses termos, o Ministério Público pretende estabelecer as cláusulas de um acordo definitivo para a resolução do problema. Questionado sobre a possibilidade de assinatura imediata do TAC, Dogival Pereira afirmou que a empresa tem compromisso com a busca de soluções e que discutirá o documento com a diretoria da Vale, dando uma resposta dentro do prazo estabelecido pelo Ministério Público, que é de 30 dias.
Ficou determinado que o Ministério Público aguardará a resposta da Vale enquanto toma outras medidas, como os encaminhamentos para a realização de uma nova audiência pública em Marabá-PA. A 1ª Promotoria da Infância e Juventude também encaminhará uma Recomendação ao Conselho Estadual da Infância e Juventude, pedindo que seja feita uma vistoria nas áreas por onde passa a Ferrovia Carajás, na qual deve ser verificado o porquê do sistema de garantias de direitos estar sendo ineficaz.
O promotor afirmou, ainda, que os casos relatados sobre exploração sexual e tráfico de drogas no povoado Nova Vida serão encaminhados ao Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude (CAOp-IJ), que solicitará à Promotoria de Justiça de Buriticupu a investigação e responsabilização criminal dos responsáveis.
Fonte: Rodrigo Freitas (CCOM-MPMA)
0 comentários