Trabalho infantil ainda é a principal fonte de renda de muitas famílias brasileiras
(Por Yuri Kiddo, da
Cidade Escola Aprendiz. Boletim PróMenino, 22/11/2012)
Com o pai afastado da
família pela justiça por abusar sexualmente de um dos nove filhos, não restou
alternativa para os quatro irmãos mais velhos a não ser tomarem a frente do
orçamento familiar. Vivendo com aproximadamente R$ 700 por mês, divididos entre
alimentação e contas de água e gás, a mãe mora com os filhos num porão cedido
por um vizinho, na região do ABC Paulista, sem janelas e com colchonetes
espalhados pelo espaço, que é quarto, banheiro e cozinha ao mesmo tempo.
“Eu tento ir pra
escola, mas não dá. Saio do trabalho sempre muito tarde”. Essa é a frase
repetida por cada um dos filhos, de 13, 15, 16 e 17 anos, que passam horas em
busca de trocados com reciclagem e nos comércios do bairro. Não há contrato,
valor estipulado ou horas fixas, e o ritmo de trabalho varia de acordo com a
demanda, sendo até mais de 10 horas por dia, principalmente aos fins de semana
ou feriados. “Atualmente os três mais velhos tentam supletivo, mas não
conseguem terminar por falta e cansaço”, afirma a educadora social que
acompanha o caso da família, Ivone Nosula.
Ser o arrimo da casa é
a responsabilidade de quase 660 mil adolescentes de 15 a 19 anos no país. A
pesquisa é do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio
do Censo 2010, que revela ainda que mais de 131 mil crianças brasileiras entre
10 e 14 anos também são chefes de família.
Apesar do trabalho no
Brasil ser proibido para pessoas com menos de 16 anos, com exceção da condição
de aprendiz, os dados revelam que o trabalho infantil ainda é a principal fonte
de renda de muitas famílias brasileiras. “É uma situação histórica, bastante
antiga no país. Não é somente uma questão de pobreza, mas de perda de um dos
progenitores e também uma questão de cultura quando se acredita que a única
forma de educação e socialização é por meio do trabalho. Isso não é real”, diz
o coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da
Organização Internacional do Trabalho (OIT), Renato Mendes.
Infância roubada
As crianças e
adolescentes que trabalham antes do tempo ficam deslocados socialmente por, ao
mesmo tempo, ainda não serem adultos e terem a infância roubada, como explica
Nosula. “A realidade da fome, do trabalho na rua e dos vários tipos de abusos
faz com que a criança deixe de brincar e use a imaginação porque estas
atividades perdem o sentido”. A educadora, que também já foi professora na rede
municipal de ensino, aponta que é o papel da escola estabelecer um laço de
segurança para essa criança. Porém, isso não acontece. “Quando a criança chega
à escola com sono, suja e dispersa, dificilmente ela encontra um olhar
acolhedor ou algum profissional que questione sua rotina. Muitas escolas tratam
o aluno com discriminação,” lamenta.
A instituição de ensino
é fundamental para a formação e socialização da criança e do adolescente, mas
está longe de ser o ideal. “Os fatores determinantes para combater o trabalho
infantil são quando a instituição escolar tem professores com bons salários,
condições adequadas de trabalho, conteúdo diversificado e mais de um período
disponível para as crianças e adolescentes”, Mendes.
Alternativas insuficientes
Apesar daquela família no ABC
Paulista receber R$ 180 pelo Bolsa Família por meio do Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (Peti) desde 2011, não existe a possibilidade dos filhos
pararem de trabalhar. “Como a criança vai sair da situação de trabalho infantil
se ela é o sustento da casa?”, questiona Nosula.
Mesmo os três adolescentes mais
velhos não terem frequentado a escola, os outros seis filhos estudam e estão
inseridos no programa de educação em tempo integral do governo federal, Mais
Educação. “Os mais novos conseguem se relacionar melhor que os mais velhos, por
terem espaço e tempo para socialização e brincadeiras”, explica a educadora.
“Porém as crianças são extremamente acuadas com qualquer pessoa que não seja do
convívio natural, porque vivem numa situação de pobreza que é vergonhosa e elas
se sentem mal por isso”.
Para Mendes, o Brasil está num
caminho adequado no combate ao trabalho infantil, mas ainda é necessário maior
integração e interiorização das políticas públicas. “A politica pública federal
não atinge os municípios que mais tem casos de trabalho infantil e mais
precisam dela. Por isso, é necessário a municipalização da politica de
eliminação do trabalho infantil”.
“O trabalho é uma alternativa
educacional desde que seja feito no momento propício, na idade certa e de forma
adequada, garantindo que o adolescente não tenha danos ao seu corpo e ao
processo escolar no sentido de desenvolvimento”, conclui Mendes.
(Foto: “Panelas”, de Pedro Figueiredo)
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