Resolução 169 de 10 dezembro de 2014, do CONANDA, faz recomendação sobre a proteção dos direitos de crianças e adolescentes em atendimento por órgãos e entidades do Sistema de Garantia de Direitos, em conformidade com a política nacional de atendimento da criança e do adolescente prevista nos arts. 86, 87, incisos I, III, V e VI e 88, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990
O CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE - CONANDA,
no uso de suas atribuições estabelecidas na Lei nº 8.242, de 12 de outubro de
1991 e no Decreto nº 5.089, de 20 de maio de 2004, bem como no seu Regimento
Interno, e
Considerando que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar
à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde,
à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, conforme disposto no art.
227, caput, da Constituição Federal e nos arts. 4º e 5º da Lei nº
8.069, de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA;
Considerando o disposto nos art. 1º, 15 e 87 do ECA que dizem respeito à
proteção integral à criança e ao adolescente, o direito à liberdade, ao
respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e
como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição
Federal, bem como a garantia de oferta de serviços especiais de prevenção e
atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos,
exploração, abuso, crueldade e opressão;
Considerando que, na forma do art. 17 do ECA, o direito ao respeito
consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança
e do adolescente, e que por força do art. 18 do mesmo Diploma Legal, é dever de
todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de
qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor;
Considerando que o art. 100, Parágrafo único, inciso V, do ECA,
estabelece como regra elementar a ser observada por todos os órgãos e agentes
que atuam em matéria de infância e juventude, o princípio da privacidade,
segundo o qual a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente
deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da
sua vida privada, visando invariavelmente seu superior interesse, que também se
constitui num princípio a ser observado, por força do contido no inciso IV, do
mesmo dispositivo legal;
Considerando que o art. 3º da Convenção da Organização das Nações Unidas
- ONU, sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto
nº 99.710, de 21 de novembro de 1990, afirma que as ações relativas à criança e
ao adolescente, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem
estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos,
devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança e do
adolescente;
Considerando ainda que o art. 12 desta mesma Convenção afirma que o
Estado, por meio de todos os seus órgãos e agentes, deve assegurar à criança e
ao adolescente que estiver capacitado a formar seus próprios pontos de vista, o
direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos que lhe
digam respeito, levando-se em consideração essas opiniões em função da idade e
maturidade da criança, podendo a criança expressar-se diretamente ou por
intermédio de um representante ou órgão apropriado em conformidade com as
regras processuais da legislação nacional;
Considerando também o disposto no art. 39 da citada Convenção, que
assegura que todas as medidas apropriadas serão tomadas para estimular a
recuperação física e psicológica, bem como a reintegração social de toda
criança e/ou adolescente vítima de qualquer forma de abandono, exploração ou
abuso, tortura ou outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes,
ou ainda conflitos armados, e que essa recuperação e reintegração serão
efetuadas em ambiente que estimule a saúde, o respeito próprio e a dignidade
dos mesmos;
Considerando os esclarecimentos feitos pelo Comitê da ONU sobre os
Direitos da Criança, em seu Comentário Geral nº 12, de 2009, bem como da ECOSOC
Resolution 2005/20 - Guidelines on Justice in Matters involving Child Victims
and Witnesses of Crime, onde consta que o art. 12 da Convenção sobre os
Direitos da Criança é uma provisão singular dentre os tratados de Direitos
Humanos, na medida em que dispõe tanto sobre o status social quanto legal da
criança e do adolescente, que, por um lado, carece de total autonomia como os
adultos, mas, por outro, é sujeito de direitos;
Considerando que, em razão disto, é reconhecido que a possibilidade de
manifestar-se, inclusive nos processos que os envolvam, ou expressar seus
pontos de vista, é uma escolha, e não uma obrigação da criança e do
adolescente, devendo-se garantir que, para tanto, recebam todas as informações
necessárias à tomada de uma decisão que atenda seus interesses, como também
expressa o art. 100, parágrafo único, inciso XI, da Lei nº 8.069/90;
Considerando que estes documentos estabelecem que crianças e
adolescentes devem ser tratados de forma cuidadosa e sensível durante todo o
processo judicial, levando-se em consideração a idade, seu estágio de desenvolvimento
e capacidade de compreensão, desejos, identidade de gênero, orientação sexual,
etnia, cultura, religião, formação linguística, condições socioeconômica,
status de refugiado ou imigrante, bem como as necessidades especiais de saúde e
assistência, dentre outras; e que os profissionais responsáveis pelo seu
atendimento, assim como pela defesa/promoção de seus direitos devem ser
respeitosos, sensíveis e treinados para lidar com tais diferenças, assim como
com as especificidades inerentes à matéria;
Considerando o disposto no Plano Decenal dos Direitos Humanos de
Crianças e Adolescentes, especialmente o Eixo 2, que trata da Proteção e Defesa
dos Direitos de Criança e do Adolescente, Objetivos Estratégicos 3.9 e 3.11,
referentes ao enfrentamento das violências contra crianças e adolescentes;
Diretriz 05, Objetivos Estratégicos. 5.1, 5.2, 5.3, que tratam do acesso de
crianças e adolescentes aos sistemas de justiça e segurança pública para a
efetivação dos seus direitos; bem como o Eixo 3, que trata do Protagonismo e
Participação de Crianças e Adolescentes, Objetivo Estratégico 6.2, relativo à
escuta de crianças e adolescentes nos serviços de atenção e em todo processo
judicial e administrativo que os envolvam; e
Considerando, por fim, que a violência que envolva criança e adolescente
deverá ser compreendida como fenômeno complexo, cultural e historicamente
construído e que o atendimento não deve revitimizar a crianças e o adolescente
pela sobreposição, incoerência ou divergência de ações nas etapas do fluxo de
atendimento, resolve:
Art. 1º Esta Resolução dispõe sobre a proteção dos direitos de
crianças e adolescentes no atendimento realizado por órgãos e entidades do
Sistema de Garantia de Direitos, em conformidade com a política nacional de
atendimento da criança e do adolescente prevista nos arts. 86, incisos I, III,
V e VI do 87 e 88, da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.
Parágrafo único. Para os fins desta Resolução, entende-se por
atendimento o conjunto de procedimentos adotados nos momentos em que a criança
e o adolescente são ouvidos nos órgãos e entidades do Sistema de Garantia de
Direitos, envolvendo, entre outros, o Sistema de Justiça, os órgãos de
Segurança Pública e do Poder Executivo e os Conselhos Tutelares.
Art. 2º O atendimento deverá proporcionar à criança e ao
adolescente a escolha e a oportunidade de expressar livremente suas opiniões e
demandas sobre os assuntos a eles relacionados, levando-se em consideração os
fatores idade, maturidade e interesse.
§ 1º Será garantida à criança e ao adolescente o tempo e o lugar
condizentes com sua condição de pessoa em fase especial de desenvolvimento para
a realização do atendimento, garantindo-lhes a privacidade necessária.
§ 2º O atendimento deverá ser uma prática ética e profissional, de
acordo com a regulamentação dos respectivos órgãos profissionais, não podendo
agravar o sofrimento psíquico de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas
de crimes, devendo-se respeitar o tempo e o silêncio de quem é ouvido,
prevalecendo-se as medidas emergenciais de proteção.
§ 3º Recomenda-se que sejam asseguradas à criança e ao adolescente
todas as informações acerca dos casos em que estejam envolvidos para que possam
melhor opinar.
Art. 3º Recomenda-se que o atendimento contemple os meios técnicos
e metodológicos necessários à preservação da integridade física, psíquica e
moral da criança e do adolescente, respeitando suas vulnerabilidades e o
desenvolvimento progressivo de suas capacidades.
§ 1º O atendimento deverá ser realizado, sempre que possível, por
equipe técnica interprofissional, respeitando-se a autonomia técnica no manejo
das intervenções.
§ 2º O atendimento deverá proporcionar o devido acolhimento à
criança e ao adolescente, promovendo a atenção e o suporte às suas necessidades
e peculiaridades.
§ 3º O compartilhamento de informações entre os diversos órgãos
deverá ser feito nos limites da lei, resguardado o direito à privacidade e ao
sigilo.
§ 4º Recomenda-se que, no atendimento de criança e adolescente que
falem outros idiomas, seja providenciada a participação de profissional
especializado para o atendimento desta demanda.
Art. 4º Em situações de violência envolvendo criança ou
adolescente deverão ser incluídos na análise dos casos a escuta dos supostos
autores da violência, dos familiares ou dos responsáveis pela criança ou
adolescente.
Parágrafo único. Aos autores da violência contra criança ou
adolescente, quando couber, deverá ser garantido tratamento especializado que
os ajudem a romper com o ciclo da violência.
Art. 5º Recomenda-se que entrevista, o estudo social, o estudo
psicológico e a perícia da criança e do adolescente sejam conduzidos por
profissionais tecnicamente habilitados, possibilitando o reconhecimento da
situação vivenciada e permitindo a busca de medidas de proteção adequadas às
especificidades dos sujeitos envolvidos.
Art. 6º Quando manifestarem o desejo de serem ouvidos em
procedimento judicial, recomenda-se que a criança e o adolescente sejam previa
e adequadamente informados de seus direitos por equipe interprofissional ou
multidisciplinar.
§ 1º A criança e o adolescente têm o direito de receber
assistência jurídica integral em todas as fases do procedimento judicial.
§ 2º Recomenda-se que a criança e o adolescente não sejam
submetidos a situações de constrangimento e sofrimento emocional no âmbito do
procedimento judicial.
Art. 7º Será garantido o direito da criança e do adolescente a
efetiva participação e a expressão de suas opiniões e demandas nos
procedimentos que impliquem na construção de planos individuais de atendimento
e nas ações para superar situações de risco ou vulnerabilidade.
Art. 8º Nas situações cotidianas de conflito em que a criança ou o
adolescente estejam envolvidos, deverão ser priorizados os meios alternativos
de resolução, visando à preservação de seus interesses.
Art. 9º Os conflitos nos espaços comunitários que envolvam a
criança e o adolescente deverão ser prioritariamente solucionados de forma
pacífica, evitando-se a judicialização e a exposição ao Sistema de Segurança
Pública.
Art. 10. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
MIRIAM MARIA JOSÉ DOS SANTOS
Presidente do Conselho
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